Independentemente das orientações legais da Funai, a viagem é muito legal e vale mesmo a pena ser feita. Ela começa na Aldeia Wasare, comandada pelo cacique Rony Azoinaice. Localizada a 70 km da cidade e às margens de um dos postais da região, o Rio Verde, a comunidade é integrada por menos de 40 índios. São eles que, vestidos com os trajes e pinturas corporais típicos da etnia, recepcionam os visitantes.
Costumes e tradições - A acolhida é calorosa e acompanhada por canto e uma alegre dança. “Em linguagem haliti, essa dança significa estar feliz com a chegada de vocês”, traduz o cacique Rony. Os paresis são, de fato, muito simpáticos e hospitaleiros. Durante a visita, compartilham com os “imuti” (homens brancos) o seu modo de vida.
O cacique Rony mostra um dos "cômodos" de sua oca. Foto: Junior Silgueiro/Gcom/MT
Contam, por exemplo, como, o porquê e onde enterram seus mortos. Explicam ainda como são construídas as ocas, as “hátys”, e o motivo de elas assim serem erguidas – a aldeia, criada há cinco anos, abriga nove ocas, incluindo uma onde funciona a escola indígena e biblioteca. Também dividem a refeição com os forasteiros.
No cardápio do almoço, um churrasco que, por ser tão gostoso e bem feito, é famoso na região. Como acompanhamento, arroz, farofa com banana verde e mandioca, ingredientes típicos da gastronomia mato-grossense. Na mesa também não falta o biju, comida de origem indígena, além de muitas frutas.
Embora já estejam aculturados – tomam refrigerantes e têm celular, televisão, geladeira e fogão, entre outras comodidades da vida moderna –, os paresis preservam seus costumes e suas tradições. Entre eles, o que estabelece que as mulheres se casem tão logo aconteça a sua primeira menstruação, por volta dos 12, 13 anos. “Com 20 anos, a índia já é considerada velha. Ficou para titia e não casa mais”, brinca o cacique Rony.
Índio caça em mata no interior da Aldeia Wasare, local onde também são recolhidas as ervas naturais para a produção de remédios medicinais indígenas. Foto: Gcom/MT
Segundo explica, as indígenas recorrem às ervas para fazerem o controle de natalidade. Também são as plantas que impedem que a comunidade fique doente. “Nunca tivemos sequer um caso de câncer”, orgulha-se o cacique. Para mostrar na prática como são feitos os remédios medicinais da aldeia, Rony leva os visitantes para um passeio na mata, o local onde os índios extraem as plantas.
Durante o trajeto, mostra quais delas são recolhidas e como são usadas no combate às doenças. Esclarece ainda que nas comunidades indígenas os remédios medicinais somente são ministrados aos “enfermos” com a orientação do pajé, o índio responsável pelo curandorismo. De acordo com Rony, a “fórmula” de alguns medicamentos é ensinada para qualquer pessoa que tenha interesse. Já os mais específicos são de domínio exclusivo do pajé.
O inacreditável jogo jikunahati, uma competição com regras semelhantes às de nosso futebol, mas que é disputado com arremessos de cabeça. Foto: Junior Silgueiro/Gcom/MT
Depois da aula de medicina natural, os índios fazem uma partida de jikunahati, o cabeçabol. O futebol indígena segue as regras do jogo oficial, mas é disputado com arremessos de cabeça. Já a bola é bem menor que a tradicional, tem 13 cm de diâmetro. É de borracha e feita com uma seiva da região. Enquanto em campo os homens disputam os lances, as mulheres mostram e vendem aos visitantes objetos produzidos artesanalmente por elas. São coloridos brincos, pulseiras, colares, cocares, cestos…
Um imperdível passeio de barco pelo cristalino Rio Verde, lindíssimo postal da Aldeia Wasare, brinda o fim da visita. Foto: Junior Silgueiro/Gcom/MT
O primeiro dia do roteiro chega ao fim, mas não antes de os visitantes mergulharem e se banharem em águas fluviais clarinhas, ponto de saída de um imperdível passeio de barco pelo lindíssimo postal da aldeia: o majestoso Rio Verde.
Vista panorâmica das Quatro Cachoeiras, situadas em terras da aldeia indígena de mesmo nome. Foto: Terra Parecis
Liderança e sabedoria - No segundo dia, o roteiro segue rumo à comunidade indígena Quatro Cachoeiras. Localizada na terra indígena Utiariti, a aldeia está distante 33 km da cidade. Nela, vivem 180 índios, todos são membros da numerosa família do cacique Narciso Kazoizase. Os paresis que moram nesse território levam uma vida simples, mas com conforto. Estão muito mais aculturados que os habitantes da comunidade Wasare.
Embora os habitantes da Quatro Cachoeiras também vivam em ocas, a maioria das casas da aldeia é feita de alvenaria. Foto: Divulgação
Residem em ocas (em bem menor quantidade) e em casas de alvenaria. Também desfrutam das comodidades propiciadas pelas parafernálias tecnológicas e eletrônicas contemporâneas. Aqui, não há o controle de natalidade – muitas mães ainda são adolescentes e tiveram seu primeiro bebê com 12 anos. Por sua vez, as crianças até os seus setes anos aprendem a língua e a história maternas na escola da aldeia. As aulas do primeiro ao quinto ano são ministradas pela professora Juliana Azonezakero.
Os simpáticos habitantes da Quatro Cachoeiras, liderada pelo cacique Narciso. Foto: Gcom/MT
Depois dessa idade, as crianças frequentam a escola da cidade, aprendendo português e as demais disciplinas que integram o currículo das instituições de ensino brasileiras. Diariamente, um transporte da prefeitura local busca os indiozinhos para assistirem as aulas, trazendo-os de volta à aldeia após o término delas.
Por manter um bom relacionamento com a prefeitura e pelos seus conhecimentos, Narciso é considerado e respeitado como um dos líderes indígenas mais tradicionais do povo paresí-haliti. Quando jovem, o cacique estudou na Missão Jesuítica de Santa Terezinha do Utiariti. Em 1954, abandonou o internato para formar a Aldeia Seringal. Depois, mudou-se para a Aldeia Quatro Cachoeiras, onde vive até hoje.
No centro, o cacique Narciso, com seu cocar azul, ao lado de alguns integrantes da Aldeia Quatro Cachoeiras e de pesquisadores. Foto: Orébio Souza
Narciso não sabe qual é a sua idade. Diz que, quando nasceu, o registro em cartório do nascimento de bebês não era um hábito de seu povo. Estima, porém, ter 78 anos. Dinâmico, esbanja saúde e disposição. É, sobretudo, um grande sábio. Em um bate-papo, ensina sua filosofia de vida: levanta bem cedo, toma o café com a esposa e sai para pescar, caçar ou plantar.
Dorme cedo. Não bebe nem fuma. Narciso ressalta que os índios não fazem nada, sequer colher uma planta, sem pedir e agradecer a Deus, ao contrário do que fazem os brancos. “Acreditamos que a nossa plantação de alimentos será arruinada e que poderemos ser castigados, adoecer e até mesmo morrer se não formos gratos a tudo que Deus nos dá em abundância”, afirma.
A chicha é uma bebida de teor alcoólico, feita do talo da mandioca e considerada sagrada pelos índios parecis. Foto: José Medeiros/Gcom/MT
Outro costume dos paresis é a dança – há muitas delas, são executadas pelos mais variados motivos e em diversas ocasiões, sempre acompanhadas de cantos. Durante a estadia nesta aldeia, os índios mostram algumas delas. Depois, em uma cuia, servem aos visitantes a chicha, uma bebida alcoólica que é considerada sagrada e é feita com o talo da mandioca.
Também jogam o tidimore, um antigo jogo que é disputado com as mãos por duas equipes mistas e de todas as idades. A partida é realizada em um pequeno campo e com uma bola feita com uma fruta do cerrado, o marmelo. Em cada espécie de gol feito, o time que aumentou o placar tem de gritar.
Ao redor do campo, “torcedores” investem na equipe que acreditam ser a vencedora do desafio, apostando desde alimentos e bebidas até arcos e flechas, entre outros artefatos. “Este jogo já era praticado por nossos ancestrais, que apostavam crianças. Assim, o time ganhador podia reivindicar que uma criança da aldeia perdedora fosse levada para viver para sempre em suas terras”, conta a professora Juliana.
Cocares, colares, brincos, cestos e tipoias para carregar bebês são algumas peças de artesanato comercializadas pelas comunidades da etnia parecis. Foto: Terra Parecis
Para aumentar as verbas do povoado, as índias comercializam objetos de artesanato por elas produzidos. A despedida da comunidade é brindada com um desfecho memorável: a ida até as deslumbrantes quatro quedas de água que banham aquelas terras. Elas são formadas pelo Rio Sacre, correm paralelas e emprestam o seu nome à aldeia.
As quatro cachoeiras onde os índios da comunidade se refrescam. Foto: Junior Silgueiro/Gcom/MT
A próxima aldeia indígena a ser visitada é Salto Utiariti. Situada a 65 km da cidade, na divisa dos municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal, é comandada pelo cacique Orivaldo Koremazokae, mais conhecido como Xirú. Das três comunidades indígenas do roteiro, esta é a que mais está aculturada. No território não há uma única oca. Seus habitantes vivem em casas de alvenaria e se vestem com roupas normais.
O rapel no Salto Utiariti é uma das atrações de Mato Grosso. Foto: Terra Parecis
São pagos por uma empresa que oferece a prática de rapel em uma que não só é a vedete da aldeia, mas também uma das principais atrações turísticas de Mato Grosso: o Salto Utiariti, uma das mais altas cachoeiras do Estado, com 98 m de queda. Formado pelas águas do Rio Papagaio, o salto, dependendo do ângulo, tem um formato que lembra o mapa do Brasil.
Salto Utiariti em Campo Novo do Parecis. Foto: José Medeiros/Gcom/MT
Na caminhada em terras indígenas, o visitante chega até a parte superior do salto, onde pode mergulhar em uma pequena e límpida piscina natural. Já a descida por uma trilha conduz a parte de baixo da cachoeira, onde é possível admirar toda a sua exuberância de frente. Para quem curte adrenalina, a dica é se aventurar em um emocionante rapel, descendo as encostas da volumosa e alta cachoeira.
O cenário onde mora o salto é sagrado para a nação paresí-haliti. Para ela, “utia” quer dizer sábio e “haliti”, povo, gente. Assim, Utiariti significa “lugar de povo sábio”. Há uma lenda que diz que os utia faziam previsões do futuro e viviam (e continuam vivendo) atrás do lençol de água da cachoeira, onde também colhiam raízes e alimentos. Lendas à parte, o lugar é mesmo mágico e seduz pela sua irretocável beleza.
O roteiro para o “Rota do Parecis” já está sendo comercializado pelas agências de viagens de Mato Grosso e de Campo Novo do Parecis – a CNP Turismo é uma delas. Também pode ser adquirido pelo Decolar.com, Hotel Urbano e CVC. Os passeios já estão sendo agendados aos finais de semana. Com saída de Cuiabá, o pacote custa de R$ 1.400, valor que pode ser parcelado no cartão em até seis vezes. Inclui hospedagem, alimentação, transporte, guia de turismo, entrada nas aldeias, pedágio e rapel.
Onde ficar - Oriente Hotel – Rua Paraíba, 346 NE, centro, Campo Novo do Parecis, tel. (65) 3382-4824.
Onde comer - Restaurante & Choperia Dom Antônio – Avenida Brasil, 672 NE, centro, Campo Novo do Parecis, tel. (65) 3382-3938.
Onde comprar - CNP Turismo – Rua Porto Alegre, 770 NE, Campo Novo do Parecis, tel. (65) 9947-1930, e-mail cnpagenciadeturismo@gmail.com
Como obter a autorização – Não é preciso fazer o tour Rota dos Parecis para visitar as aldeias da região. É imprescindível, porém, a autorização da Funai e das comunidades indígenas. A sede do órgão fica em Campo Novo do Parecis, tel. (65) 3382-2869.