O preservado parque natural de Minas Gerais, com suas exóticas cachoeiras, rios, trilhas e animais selvagens, é o endereço certo para os praticantes do ecoturismo. É também o berço histórico do São Francisco, um dos principais rios brasileiros.
Com aproximadamente 23 mil habitantes, Sacramento, em Minas Gerais, esbanja charme e sedução. Não só por ficar pertinho da exótica beleza do Parque Nacional da Serra da Canastra, mas também pelo incontável número de atrativos que possui – reúne cultura, religião, gastronomia e paisagens imperdíveis.
A entrada para a cidade do Triângulo Mineiro. Foto: Prefeitura de Sacramento
Em sua avenida principal, a Benedito Valadares, pode-se percorrer o calendário do tempo e conhecer casarões coloniais onde moravam os imigrantes italianos que trouxeram a cafeicultura para a região e alguns dos abastados donos de suas lavouras. No início do século 19, o café foi um dos – senão o principal – responsáveis pelo desenvolvimento econômico desse pedacinho de terra das Gerais.
Sacramento é feita de verde e de cores e sabores vibrantes. Foto: Fred Carvalho
Em Sacramento, em qualquer rua onde se esteja, o horizonte é deslumbrante: montanhas cobertas por árvores mesclam seus tons de verde ao intenso azul do céu, num privilegiado cenário que há anos não integra mais o cotidiano das grandes metrópoles mundiais.
Uma das portarias do parque mineiro. Foto: Senac Minas Gerais
Pequenina e encantadora, a cidade é um exemplo de turismo responsável: seus habitantes têm consciência de que devem preservar seus tesouros naturais e os patrimônios históricos herdados da época do Brasil Colonial – muitas de suas antigas fazendas hoje começam a ser abertas à visitação.
Ruínas no interior do Parque da Serra da Canastra. Foto: O Tempo
Elas preservam quase intactas as senzalas e os diferentes tipos de construções em pedra (bastante abundante por ali), como currais e muros, erguidos pelos escravos nos tempos em que tropeiros e bandeirantes exploravam a região em busca de ouro. Nunca encontraram um “tiquim” sequer do metal dourado nessas paradas.
O Curral de Pedras é uma das antigas construções feitas pelos escravos na Serra da Canastra. Foto: Conheça Minas
Mas não é difícil imaginar o sofrimento que causaram aos negros que levavam os pesados blocos de pedra nos ombros para lhes propiciar um abrigo capaz de protegê-los, e aos seus animais, contra as baixas temperaturas que imperam nas noites das serras mineiras, do sol escaldante dos dias no árido cerrado e de perigosos animais selvagens que ainda hoje habitam aquelas paisagens.
Nos arredores das fazendas ou mesmo em pleno interior da Serra da Canastra, antigos quilombos construídos em pedra resistem ao tempo denunciando a revolta dos escravos que fugiam mato adentro, preferindo viver no desconforto do sertão e enfrentar todo e qualquer tipo de perigo em troca de um pouco de dignidade.
A Câmara Municipal de Sacramento, um dos casarões coloniais dos barões do café de Sacramento. Foi construída em 1870. Foto: Rodnei Reis
Embora tenha como ponto alto o ecoturismo devido à sua proximidade do Parque Nacional da Serra da Canastra e da quantidade de cachoeiras, rios, represas e áreas verdes que a região possui, Sacramento também é conhecida pelo turismo religioso. Recebe diariamente dezenas de peregrinos, que ali chegam ávidos para visitar a terra onde nasceu o padre Vítor Coelho (em processo de beatificação no Vaticano).
Oui ainda, o Museu Corina Novelino, que abriga objetos pessoais e documentos escritos por Eurípedes Barsanulfo, o fundador da primeira escola espírita do Brasil, em 1907: o Colégio Allan Kardec, que ainda hoje funciona. O padre católico e o médium que recebia orientação espiritual de Bezerra de Menezes são dois dos filhos mais famosos da cidade.
A Cachoeira São Francisco é uma das 220 cachoeiras existentes no entorno de Sacramento. Foto: Antonio José Maia Guimarães/Wikimedia
Na praça principal, a Igreja Matriz também tem histórias para contar. É a pedra fundamental da cidade, porque no local onde foi construída ficava o primeiro cruzeiro do então minúsculo povoado. A cruz ali foi erguida por determinação de seu fundador, o cônego Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswick. Em 20 de abril de 1820, o lugar onde eram realizadas missas foi elevado à condição de capela por determinação de uma carta régia emitida por Dom João VI.
Em 1857, a capela cedeu lugar à edificação da Paróquia de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento, a padroeira da cidade. A igreja passou por várias reformas. Na última, em 1920, foi reconstituída em estilo neoclássico, mas manteve a mesma fachada original. Ao seu lado fica o Altar da Pátria, onde encontram- se os restos mortais do fundador do município.
Uma casa do início do século 19, em Desemboque, distrito de Sacramento. Foto: Pinterest
Se o assunto é história, religiosidade e cultura, em Sacramento não faltam opções. O Recanto da Prece é uma delas. A casa onde moravam os familiares de Eurípedes Barsanulfo hoje é um centro espírita. Desde 1904, a instituição promove diariamente o Culto das Nove, um momento de prece e vibrações em que atende as pessoas que ali comparecem às 9 horas.
Nas ruas da cidade ficam ainda o Museu Histórico Corália Venites Maluf, cujo acervo resgata a história do município e a de seus filhos mais ilustres, e a antiga Estação dos Bondes, hoje Palácio das Artes, um prédio de 1913 construído por engenheiros alemães onde se comercializa o artesanato da região.
A cidade é ainda o lar do Arquivo Público Municipal. Originalmente, a antiga construção de estilo neoclássico era a cadeia do então povoado . Atualmente, é a sede do Museu da Imagem e Som, do Departamento de Cultura e do Centro de Memória da Cultura Negra Carolina Maria de Jesus.
Com 22 metros de altura, Palhares é a maior gruta de arenito das Américas. Foto: Fabianni Luiz Ribeiro/Wikimedia
Mas é no entorno desse encantador recanto que se encontram muitos de seus tesouros. Caso da Gruta dos Palhares, o lar de centenas de maritacas, papagaios e andorinhas. Com 22 metros de altura, é considerada a maior gruta de arenito das Américas. Com uma profundidade explorada de cerca de 450 metros, ela se ramifica em vários compartimentos, cujo acesso é vedado ao público – o arenito é uma pedra que se “esfarela”, daí a proibição.
Diariamente, a Gruta dos Palhares recebe centenas de turistas. Foto: Fred Carvalho
Lá de cima da rocha, as águas da tênue cachoeira Véu da Noiva deslizam até o solo. Os mineiros dizem que elas são as lágrimas de uma moça que acreditou que o futuro marido – um caixeiro-viajante – era casado e se jogou dali no dia de seu casamento. Fim triste para um cenário de tão exuberante beleza. Lendas à parte, na Gruta dos Palhares funcionam ainda restaurante, lanchonete, duas piscinas e um lago com peixes ornamentais.
O santuário paradisíaco é protegido por arcanjos e pelas hierarquias angelicais, que têm um altar à esquerda da gruta. Em forma de capela, uma de suas cavidades guarda as imagens da Virgem Maria e de Nossa Senhora da Rosa Mística, além de uma pequenina cascata. Devotos e amantes da natureza jamais deixam de beber água ali. Afinal, a crendice popular afirma que esse gesto é um ingresso de volta garantida ao local.
Situada a 4 quilômetros da cidade, a Usina Cajuru é outra atração que merece ser conhecida. Inaugurada em 1913, forneceu energia elétrica para Sacramento e Conquista durante mais de meio século. Construída por engenheiros alemães da empresa Bomberg & Cia., também gerava energia para a sustentação do bonde elétrico que ligava a cidade à estação férrea do Cipó, a 15 quilômetros. Desativada em 1970, ficou abandonada por anos, sendo alvo de sucessivas depredações. Recém-recuperada pelo Patrimônio Histórico Municipal, fica ao lado do Ribeirão Borá e de suas lindas cachoeiras.
O extenso chapadão lembra uma canastra. E é por isso que empresta o seu nome à serra. Foto: Fabianni Luiz Ribeiro
Bem mais distante dali (são cerca de 70 quilômetros) encontra-se o Parque Nacional da Serra da Canastra, um paraíso ecológico que se espalha pelos municípios mineiros de Capitólio, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Vargem Grande e São Roque de Minas.
Com mais de 71 mil hectares, é o berço do rio São Francisco. Situado no divisor de águas entre as bacias hidrográficas dos rios Paraná e São Francisco, o parque foi criado em 1972 para proteger as inúmeras nascentes existentes em seu interior e a fauna e a flora do cerrado. A serra recebeu esse nome devido ao fato de seu imenso chapadão se assemelhar a uma canastra, como eram chamados os baús pelos antigos habitantes.
Pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) o "difícil" habitante das águas da Canastra. Foto: Nortondefeis/Wikimedia
Com altitudes que variam entre 900 e 1.460 metros, o parque tem vegetação típica de cerrado, com pontos de mata atlântica. Nessa vastidão de terra convivem várias espécies de flora – são mais de 1.200 plantas, algumas endêmicas e que só brotam nesses solos. Aos seus pés, o vilarejo de São João Batista do Glória dá acesso à cachoeira Casca D’Anta – a primeira e mais alta queda de água do rio São Francisco, com 186 metros de altura.
As águas do rio prestes a despencar de uma altura de 186 metros, formando a Casca D’Anta, uma de suas mais famosas cachoeiras. Foto: Walter Ferry Dissmann/Wikimedia
Após a queda, as águas passeiam por entre rochas, formando um rio de águas limpas por onde deslizam patos-mergulhões. Com um pouco de sorte, é possível ver esta que é uma das dez aves em vias de desaparecer do globo terrestre.
Nascente histórica do Velho Chico. Foto: TV Brasil EBC
Na parte superior da Casca D’Anta fica a nascente histórica do Velho Chico – até há pouco tempo acreditava-se que o rio nascesse ali. Posteriormente, em um solo não muito distante dali,na mineira Medeiros, foi descoberta outra nascente do rio. Como ela está situada em uma altitude superior à primeira, esta última é verdadeiro o berço do São Francisco. Apesar disso, não há quem não se emocione ao conhecer a sua cabeceira na Serra da Canastra.
A imagem de São Francisco que “protege “ a nascente do Veçho Chico na Serra da Canastra. O rio nasce discreto, quase tímido, e vai ganhando força para atravessar cinco Estados brasileiros. Foto: Pinterest
“Protegido” por uma estátua de São Francisco, o rio de mesmo nome nasce discreto, quase tímido, e vai ganhando força para atravessar cinco Estados brasileiros (Minas, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas), mas sua bacia alcança também Goiás e o Distrito Federal. Percorrendo mais de 2.800 km até a sua foz, o rio banha 504 cidades brasileiras, o correspondente a 9% do total de municípios do País.
O tamanduá-bandeira, um dos animais em extinção que pode ser visto no Parque Nacional da Serra da Canastra. Foto: Wikimedia
Zagaia e Babilônia são algumas das majestosas serras que desenham o relevo do parque. Com árvores de pequeno e médio portes (costumam medir até 15 metros de altura, uma característica do cerrado), a extensa área verde é habitat de espécies, como o veado-campeiro, a ema, a onça-parda, o tucano, o gavião, o urubu-rei e a coruja.
De todas as espécies que ali vivem, três chamam muito a atenção: o tamanduá-bandeira, o lobo-guará e o tatu-canastra (que pode chegar a 60 quilos de peso), todos ameaçados de extinção. Os dois primeiros podem ser encontrados na parte alta do parque. Já o último dificilmente é avistado.
Serra da Canastra. Foto: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Possuidora de uma beleza ostensiva, a Serra da Canastra, com suas indescritíveis cachoeiras, rios, animais e trilhas ecológicas, é um refúgio imperdível para quem gosta de natureza. Não por acaso, o Velho Chico nasce ali. Como todo mineiro, de sonso, o rio não tem nada.
Berço do Triângulo Mineiro - Fundado em meados do século 18, Desemboque foi o berço da civilização do Triângulo Mineiro. Era dali que vários bandeirantes partiam rumo ao sertão em 1807, descobrindo rios, ribeirões, matas e chapadas. À medida que se distanciavam do município, mais fértil era o solo que desvendavam e os campos que percorriam. Sempre regressavam ao povoado, pois ficavam sem comida e temiam os ataques dos índios caiapós que habitavam a região. Situado entre os rios Grande e Parnaíba, nos limites das capitanias de Minas Gerais e Goiás, Desemboque foi uma das mais importantes vilas daquela imensa extensão de terras brasileiras. Centro de imediações das bandeiras, oferecia ouro aos desbravadores da região. Com o tempo, o metal se esgotou e Desemboque foi sendo abandonado até tornar-se uma vilinha. Embora hoje possua pouco mais de 60 habitantes, o povoado conserva marcas da fé e da saga dos bandeirantes: a Igreja de Nossa Senhora do Desterro e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de grande valor histórico-cultural. |
SERVIÇO
A Maritaca Turismo oferece diversos roteiros pela região e pela Serra da Canastra. Tel.: (34) 3351-5059; site: www.maritacaturismo.com.br.